Sucinto e o Pássaro Dourado.

Havia, há alguns anos, uma tribo afastada de tudo em algum lugar do Brasil, os que lá viviam ainda eram adoradores do fogo e viviam a espera do dia em que o grande pássaro dourado desceria dos céus e traria a explicação para todos os enigmas da vida.

Os tribais esperavam pacientes, todos os dias, pela passagem do grande pássaro que costumava acontecer quando o sol estava no zênite. Acreditavam que era ele o responsável pelo bom tempo, por que quando ele passava, não chovia. Havia inclusive um ritual para pedir pelas bênçãos do grande pássaro dourado, quando a chuva era escassa os nativos mais sábios se reuniam na caverna central e decidiam pelo sacrifício de três virgens puras de sentimentos e imaculadas, elas eram levadas para a caverna dos sábios que as despiam e possuíam seus corpos em homenagem ao grande pássaro. Após os rituais que duravam vários dias, quase sempre chovia e o grande pássaro não passava por ali. Acreditava-se que era um sinal de que o ritual havia sido realizado com sucesso e que a alma das virgens havia saciado a sede do Deus de metal.

No decorrer de anos as gerações de nativos viveram felizes em sua existência sem sentido esperando pelo dia em que tudo seria explicado. As crianças cresciam e se tornavam adultas, reproduziam as tradições e os costumes que aprendiam com seus pais, as repassavam para seus filhos que reproduziam estes mesmos costumes e a tradição do povo local era mantida inalterada por anos, até que um dia surgiu um forasteiro na aldeia, seu nome era Sucinto, um homem alto, forte, inteligente e perspicaz. Por trajar vestes jamais vistas pelos nativos e falar uma língua desconhecida, inicialmente foi preso, logo se safou da frágil prisão de bambu com seus apetrechos de metal e afiados como lanças. Por sua inegável sabedoria e compreensão do mundo,a tribo ficou convencida de que se tratava de um Deus, enviado pelo grande pássaro de metal para explicar a existência desde o mais inocente inseto até o mais complexo ser da natureza.

Jamais haviam estado tão perto de um ser com tamanho conhecimento que superava em muito aqueles detidos pelos sábios da aldeia. Pouco a pouco, Sucinto foi se tornando rei de toda a aldeia, ensinou-lhes a lidar com o fogo, viajava para seu retiro espiritual por dias e retornava com estranhos invólucros onde trazia sal e açúcar, além de materiais que facilitavam a vida dos nativos.

Sucinto foi ganhando a confiança de todos na aldeia e não demorou para que começasse a reclamar para si o direito de controlar o ritual da chuva. Aumentou para cinco o número de virgens necessárias para o feitiço e alterou a regra que dizia que as virgens deveriam morrer ao final do trabalho, o que lhe valeu a alcunha de Sucinto o cordial.

As chuvas seguiam seu curso, Sucinto seguia rei e o povo estava feliz, até mesmo os antigos sábios haviam desistido de enfrentar o poder divino do cordial, uma vez que suas ligações com o grande pássaro eram inegáveis.

Durante anos, Sucinto reinou com cordialidade e bondade e o grande pássaro abençoava o povoado com chuvas, sol, caça, pesca, frutos, alegria, amor e tudo que a tribo necessitava. Durante o inverno o rei saía para sua peregrinação de flagelo e solidão, mas ao contrário do que se esperava, retornava mais revigorado do exílio, corado e trajando novas vestes. Trazia ainda os novos instrumentos de trabalho e dava início ao ritual das virgens, que agora não precisava mais, sob determinação do rei, ser composto somente de virgens. Dada a escassez de novas ninfas, o ritual passou a ser realizado com qualquer jovem da tribo, mesmo aquelas que já haviam feito parte do feitiço anteriormente. Os sábios se levantaram em revolta contra o rei que atentava contra as tradições milenares da tribo, entretanto, o rei gozava de grande aceitação na aldeia e ordenou que os velhos fossem presos e posteriormente os sacrificou em nome do grande pássaro dourado.

Passaram-se mais alguns anos em que Sucinto foi se tornando mais e mais tirano para com seus súditos. Atacava quem fosse contra sua vontade, mutilava os homens da tribo para evitar que estes se rebelassem contra o rei e passou a ser temido pelo povo. Os anos de paz haviam acabado para o povoado. Todos faziam orações ao Deus pássaro dourado para que ele retirasse o ódio do coração de Sucinto, evocavam antigas canções e clamavam por um sinal dos céus, até que um dia ocorreu a tão esperada visita do ser cuja compreensão superava os limites imagináveis da vida.

Em uma noite de tormenta interminável ouviu–se um som agudo que foi aumentando e se aproximando da aldeia em alta velocidade. Todos se levantaram e correram para fora de suas cavernas. “É ele”, gritavam, “é o grande pássaro que se aproxima”, “veio fazer justiça frente à tirania de Sucinto”, as crianças gritavam os velhos aplaudiam, os jovens corriam em todas as direções num misto de medo e excitação. A floresta se iluminou com o estrondo do grande pássaro dourado após seu encontro com a terra, todos correram para lá, havia uma grande fogueira e um buraco enorme no chão do local. Os nativos se uniram em volta do esperado Deus e deram os braços em volta daquele que tudo compreende, observaram o fogo queimar e esperaram… aguardaram que a chuva desse cabo das labaredas e que o grande pássaro se pronunciasse, mas, nada acontece. Nem uma palavra, nem um sinal, o grande pássaro havia morrido, todo destroçado e envolto em chamas.

Era o fim da crença no grande salvador, o fim da espera chegara, mas, sem a esperada explicação do sentido de tudo. Anos acreditando em algo que não passava de falácia, engodo, placebo. Os mais velhos sentiam-se tão inocentes quanto os recém-nascidos.

Os meninos foram aos poucos abandonando o lugar, o sol apontava por trás das montanhas, as aves levantavam vôo e todos partiram atônitos, inconsoláveis, os olhares no horizonte como que procurando uma explicação, descrentes da vida e da tão sonhada compreensão universal. Nem se olhavam, pela vergonha dos ensinamentos que durante tantos anos repassavam às gerações. Dormiram tristes e tiveram pesadelos em que o fim de tudo se aproximava.

De repente, houve-se ao longe um som familiar aos nativos da região, o som do grande pássaro, mas como? Não teria morrido então? Seria ilusão? Todos saíram de suas cavernas e correram para a colina de onde sempre observaram o grande ser passar. Lá estava ele, ressuscitara?

Um sábio ancião gritou “o grande pássaro dourado vive” e todos gritaram, a algazarra tomou conta do povo que cantava e pulava frente ao renascimento do Deus esperado. Houve quem dissesse que jamais acreditou no fim, quem dissesse que o pássaro havia levantado vôo das cinzas, todas as tradições foram retomadas e uma nova foi inserida pelo conselho de sábios: ninguém, jamais, poderia visitar novamente o local onde o grande pássaro havia pousado!

Todos aceitaram, a tradição se incumbiria de repassar esta verdade aos novos tribais e a ordem seria restaurada.

Sucinto jamais foi visto novamente. Dizem que foi levado pelo grande pássaro por ter reinado com tamanha crueldade.

 

 

 

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