Jairo, Jesus e a Loira num táxi.

Subi no táxi na rua Ministro de Godói, o motorista aparentava uns 70, cabelo grisalho, camisa meio amarelada e uma calça com uns três vincos. O carro era novo por fora, mas, por dentro parecia ter uns 200 anos, me surpreendi ao não ver uma bola com um escorpião no câmbio do veículo, porque as cortininhas de renda estavam lá, vermelhas, brancas, pretas e amarelas.

Cumprimentei o motorista e ditei o roteiro ­­– Vai pela Sumaré até a Dr. Arnaldo e desce a Consolação.

Ele seguiu as orientações e pimba, pegamos o maior engarrafamento na Sumaré. Ponto para ele. O reloginho da grana seguiu girando. Trânsito e São Paulo são como absorvente e menstruação, andam sempre juntos.

No painel, além de um adesivo de COLOQUE O CINTO e NÃO FUME, havia um com a imagem de Jesus, aquela com o coração no meio do peito e de cavanhaque, com os dizeres: “Tudo Posso Naquele que me Fortalece”. Jairo, o motorista, me confidenciou que trazia a imagem desde o primeiro dia que pisara no táxi.

Durante alguns minutos fiquei observando as pessoas nos carros no meio do congestionamento.

É incrível a semelhança entre os ocupantes dos automóveis e estátuas. As pessoas simplesmente não conversam, exceto aquelas que falam ao celular.

Ficam paradas olhando para frente dentro de seus automóveis cada uma perdida em seu próprio mundo. A tecnologia prometia juntar as pessoas como diz o comercial da companhia de celulares, mas, ao invés disso, tornou a comunicação uma coisa impessoal. É tanto msn, celular, sms e os caralho a quatro que as pessoas parecem não saber mais conversar ao vivo. Até sexo se pode fazer pela internet. Além é claro de um bom curso de inglês, graduação em obstetrícia ou culinária.

Nunca gostei dessa história de demonizar a internet como todo pseudo intelectual tenta fazer hoje em dia. O fato é que na grande rede, assim como na vida, as pessoas estão no comando. A internet é uma extensão da vida real e não outra realidade. E como já se sabe pela história do mundo, onde tem gente, dá merda.

Olha lá, quatro pessoas, provavelmente uma família dentro do carro, e ninguém fala com ninguém. Por um instante me lembraram aqueles bonecos que colocam nos carros para fazer teste de air-bag. Um deles até era careca. Cheguei inclusive a imaginar o carro acelerando e colidindo com a parede do prédio. Os corpos voando através do pára brisa e as pessoas no ponto de ônibus correndo para pegar os celulares dos defuntos.

Quantos de nós não estamos no mesmo automóvel indo na direção da parede?

Nesse instante o taxista falou comigo

–Trânsito não é?

Verdade – respondi. Senti que o velho queria prolongar a conversa e perguntei – O senhor trabalha com táxi há quanto tempo?

Ahh meu filho – respondeu o velho – tenho mais tempo de táxi do que você de vida.

Pode apostar – pensei.

Será? – Perguntei.

Bom – respondeu o velho taxista. – Você não parece ter mais do que 35 anos de idade.

Caramba – respondi. – Com tanto tempo de estrada, deves ter muita história para contar não é?

Se tenho! –emendou o motorista.

Diz aí – continuei – Já comeu muita menininha nesse ramo não é mesmo?

Vou te contar uma história sobre uma mocinha que eu levava no meu táxi em 84 – começou o senhor Jairo – que a essa altura já devia estar se sentindo culpado pela grana que eu iria ter de pagar para ele depois da corrida.

–Eu tinha uma Parati na época, era bonita e tinha um som bem moderno. Ainda não trabalhava com essas empresas de rádio-táxi e por isso ficava num ponto de táxi lá para os lados do Mandaqui.

Todos os dias, por volta de umas onze, onze e meia, eu pegava a mesma passageira. – Rapaz, ela era bonita mesmo viu?! Loira, magrinha, peitinho durinho e pernas bem torneadas. Naquela época eu dava conta sabe!

Com o tempo, ela resolveu marcar horário, já que às vezes não tinha táxi no ponto e ela acabava se atrasando para o trabalho.

Comecei a desconfiar que talvez ela trabalhasse em casa de massagem, achava estranho uma mocinha daquelas saindo para o trabalho tão tarde assim, mas eu não falava nada.

Daí, um dia enquanto esperava a menina no táxi, ouvi a mãe dela brigar com ela por causa da roupa que ela estava querendo usar: “isso lá é jeito de se vestir menina? Parece uma sirigaita”.

Ela saiu uns dez minutos depois e estava de jeans. A mãe tinha vencido a batalha.

Entrou no táxi e fomos, como de costume, para o trabalho dela no Ipiranga, entretanto, dessa vez, enquanto passávamos por uma região de muitas casas e pouco movimento, ela me pediu que parasse o carro para trocar de roupa. Encostei a Parati e ela sacou o vestido de dentro da bolsa.

Enfiou o vestido por cima da calça e depois tirou a calça, um truque e tanto, mas a parte de cima não seria tão fácil, entretanto, minha preocupação era sem fundamentos. Ela nem se deu ao trabalho de tentar esconder os seios, eu e o menino Jesus ficamos maravilhados com aqueles melões rijos e arredondados.  Ela acabou de colocar o vestido e seguimos viagem.

O velho ficou de pau duro – pensei.

Ele seguiu contando – A partir daquele dia eu tive a certeza de que ela trabalhava em casa de massagem, mulher nenhuma sai por aí mostrando os peitos para os outros.

Quando o taxista se referia ao prostíbulo como “casa de massagem”, eu achava bastante esquisito, mas acho que isso é coisa de velho mesmo não é? Lembro da minha avó se referindo à escola como “grupo”, entre outras expressões ultrapassadas.

O taxista continuava – Segui levando a moça todos os dias e nós conversávamos sobre os mais variados assuntos. Eu sempre com a imagem dos peitos dela na cabeça.

Até que um dia ela me pediu um favor, falou que ia à casa do pai dela pegar uma grana e que com parte do dinheiro ela me pagaria a corrida, na volta. Eu topei e seguimos para a zona sul.

O pai dela morava numa biboca lá para os cantos de Santo Amaro. Quando eu cheguei lá, a corrida já estava ficando cara e eu tinha a leve impressão de que não iria receber por ela.

Quando ela voltou com cara de desiludida, eu tive certeza de que ela não havia arrumado a grana com o pai, mas ela nada falou.

Durante o caminho, me contou que o pai e a mãe haviam se separado quando ela ainda era criança e que às vezes ela o visitava para ele não ficar sozinho. Contou também que ele não dispunha de toda a grana e que se ela me pagasse ficaria sem o dinheiro que deveria levar à mãe dela.

Foi aí que me ocorreu de fazer uma proposta, aí eu falei: “olha, já que você não pode pagar pela corrida, vamos parar num motelzinho desses e a gente empata essa história, o que você acha?”

Ela topou e fomos para um motelzinho fulêro na Lapa.

E seu Jairo vence a batalha – imaginei.

Entramos e eu já não me agüentava mais de vontade de foder com essa menina, mas rapaz, não foi bom não! Todo aquele corpo, aquelas curvas e os cabelos pegando fogo para nada!

Como assim? – perguntei.

Ahh, – respondeu o taxista – A menina ficou cheia de frescura comigo, dizendo que éramos amigos e que tinha vergonha e no fim, acabei comendo ela assim mesmo, mas foi daquelas fodinha ruim sabe?

Sei – respondi.

Eu queria era botar no rabicó dela sabe,  fazer ela me chupar e tudo – seguiu seu Jairo – Mas a danada encafifou de dizer que éramos amigos e que tinha vergonha e acabou com meu intento. Já pensou? Eu agora era amigo de uma puta!

A guerra, de novo, foi da loirinha.

No fim elas sempre vencem. As mulheres são os seres mais perspicazes que Deus colocou na Terra, porque não dá para imaginar um ser desses evoluindo do macaco, certeza que é coisa divina. São capazes de te fazer suar com suas passadas, com o modo com que colocam uma perna na frente da outra enquanto sacodem os quadris para lá e para cá com um pêndulo hipnotizando todos os homens ao redor.

Basta uma combinação simples de olhares e pronto, ela te possui. Te faz jurar e implorar quantas vezes quiser. Bukowski estava certo, o amor é um cão dos diabos, dilacera a alma e torna tudo inconstante na mente de um homem.

O taxista acreditava ter levado vantagem, mas eu acho que talvez ela tenha arquitetado tudo e feito parecer que foi idéia dele, mas isso, nós nunca saberemos.

Chegou meu destino. Paguei a corrida e desci.

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