Maquiavel & Hobbes

                                                   Maquiavel e Hobbes num convento

Algum filho-da-puta disse à minha mãe que seria mais fácil para ela se não precisasse se ocupar de mim. Ela acreditou! Acho que esse veado deu a minha mãe a idéia de que um colégio interno, no mínimo com aqueles argumentos baratos “não, lá eles darão aos meninos, mais disciplina e educação…”,  veado do caralho.  

Na prática era uma cadeia, tínhamos horário para tudo. Almoço, café, banho, punheta, tudo. As freiras do colégio andavam com uma varinha de bambu, coisa de Deus, bastava andar fora da linha para ganhar a benção bem na carne.  

O ser humano pode ser muito deprimente. Aceita-se Jesus como salvador e pai, entrega a vida, a castidade e tudo o mais a ele e açoitam-se crianças de oito anos de idade com uma varinha de bambu. É deprimente!  

Outra característica dos humanos é a adaptabilidade. Bastaram algumas semanas para que nos ambientássemos e fizéssemos amigos, e num lugar destes, amigos significavam quase uma família. Você está cercado por servas do senhor com aquele ar benevolente, mas que seriam capazes de arrancar seus olhos das órbitas com uma colher de sobremesa, então ter amigos num ambiente destes, faz toda a diferença.  

Quando íamos receber visitas nos colocavam as roupas que ganhávamos como doação, as pessoas ficam especialmente solidárias em datas como o natal. Elas doavam roupas e brinquedos que nunca usávamos, a não ser quando era dia das visitas, no resto do ano que se fodam os meninos nos colégios internos.  

Mesmo com as roupas novas e os brinquedos, o dia das visitas não era bem visto por nós, era neste dia que as mães levavam nossos amigos, você ficava torcendo para que levassem aqueles moleques filhos-da-puta que mijavam na cama de noite e tinham que chamar as malditas freiras para limpa-los, acordando todo mundo.  

Nossas camas ficavam em uma espécie de galpão, enfileiradas e as freiras nos revistavam para ver se não estávamos levando nada de legal para as camas, quando conseguíamos passar com pedrinhas de fazer concreto entre as nádegas, a diversão era garantida. Riscávamos uma pedra na outra e saia faísca, o clarão fazia com que você visse o rosto dos rapazes no escuro, naquele inferno, era a melhor diversão que podíamos ter. Riscar pedrinhas.  

A estratégia era simples, trabalho em equipe, cada um pegava uma pedra no pátio e escondia onde desse, quando as luzes apagavam a gente batia com a pedra na lateral da cama e isso nos fazia parecer àqueles bandidos do cinema quando batem suas canecas de metal nas grades das celas…  

Tec, tec, tec, tec, tec, tec, tec, tec, tec, tec.  

Música para nossos ouvidos.  

Tchaicowisky não faria melhor, não num ambiente destes.  

Dentro do colégio havia um pequeno zoológico e havia também um gambá entre os animais, nosso maior sonho era pegar aquele gambá e enfia-lo pela janela no quarto das malditas freiras.  

Elas nos colocavam para fazer todo o trabalho de limpeza, varrer o pátio, limpar as privadas, lavar a louça, podar o jardim, vivíamos em trapos, exceto no dia de visita, e conseguíamos até mesmo nos divertir com a limpeza, a área mais disputada era a escadaria, havia uma rampa lateral lá e dava pra descer deslizando com o pano pelo concreto queimado, imaginem só, no Chile, algum filhinho de papai esquia na montanha de neve  com seus óculos de proteção e suas roupas de grife e um bando de moleques miúdos discutindo para ver quem desceria  pela rampa com um pano de chão velho feito do que um dia fora uma camiseta do flamengo.  

A maldita apertava a escova no meu dente com tanta força que minha gengiva chegava a sangrar, fico imaginando o que ensinam nestes conventos, deve ser Maquiavel “o que é bom se dá aos poucos, o que é ruim de uma vez” ou até mesmo Hobbes “para evitar a guerra de todos contra todos é preciso usar a força”, malditas freiras, no mínimo este tipo de tratamento servia para compensar o tesão contido debaixo daqueles hábitos.  

Lembro quando minha mãe veio me buscar, era verão e o sol ia bem alto quando a notei entre as visitas, eu estava com a roupa do dia de visitas, o combinado era que eu ficaria um pouco com a minha mãe e depois fosse buscar minhas coisas, nesse meio tempo, trocaria de roupa e “deixaria a nova para meus amiguinhos”, fiz tudo do jeito que a freira disse, mas na hora de trocar de roupa pedi para minha mãe ir comigo, o olhar da freira me fuzilou quando me viu sair por aquele portão carregando sapatos novinhos que algum solidário  de ocasião havia doado ao  colégio, pude ver o capeta em seus olhos, o próprio cão não faria melhor. Ensinei uma lição àquelas malditas.

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