Dois Velhos

As coisas não estavam indo bem dentro da minha cabeça e aquela semana tinha começado mal. Fazia algum tempo que eu estava com a impressão de que estava enlouquecendo, com alguns momentos de certeza.
Tinha ouvido falar que haviam traduzido um livro novo do Bukowski na num sei o que de Parati no Rio de Janeiro. Tinha ido comprar numa barraca da editora no Tatuapé, mas o vendedor nem sabia da existência do livro, tampouco do Autor.
Aproveitei pra dar uma olhada na internet logo pela manhã durante o trabalho para ver se tinha na cultura e pimba. Eles tinham. Comprei e pedi entrega expressa. Eles juravam no site que entregariam no mesmo dia. Saiu meio caro mas o velho safado merece.
No horário do almoço fui com o Geraldo, o office boy da empresa, fazer uma fezinha na loteria e na volta encontrei com o motoqueiro da cultura.
Conhecia-o das vezes que ele ia lá na empresa receber comigo os livros que a nossa biblioteca comprava. Sabe aquele tipo de cara que você vai com a cara desde o primeiro dia que vê?? Pois é o velhinho era um desses sujeitos. Achava estranho o fato de ele trabalhar de motoqueiro com a idade que devia ter, uns 60 eu presumo. Mas ainda assim vive de bom humor. Sempre cumprimenta e fala de amenidades quando vai lá receber. Não muda de humor nem mesmo quando há algum problema nos livros ou na nota fiscal que o faz ter que voltar de tarde.
Pois é, quando o encontrei entregando livros em um prédio da região, acenei pra ele e perguntei se estava com uma entrega para o Sedes. Lugar onde trabalho.
Ele disse que não, mas falou que se eu pedi pelo expresso o livro chegaria até umas 8 da noite do mesmo dia. Fui trabalhar e me lembrei de baixar uns sertanejos universitários pra tocar no violão. Não que eu goste, mas, como sou um cara não muito bonito, passei a vida aprendendo coisas pra impressionar as mulheres. Aprendi a dançar, tocar, entre outras coisas e acredite, essas coisas me deram mais alegrias do que eu poderia imaginar. Odeio música sertaneja moderna. Ainda mais universitária. Esta na moda fazer tudo que e pecaria e colocar o nome de universitário na frente. Mas sabe como é. Duvido muito que eu fosse me preocupar com isso quando estivesse dentre de uma bela universitária.
Baixei as musicas e as coloquei no mp3.
O dia passou como passam os dias e nada demais aconteceu, como quase sempre. O relógio roda a e eu esperando que a livraria entregasse o meu livro. Mas nada de livro e foi chegando a hora de partir.
5 horas fui até a portaria e perguntei ao porteiro. Um cara que algum dia merecerá um conto também, se o livro tinha chegado. Nada.
Pensei: vou embora?? Resolvi esperar ate 5 e meia e ver se o motoqueiro chegava. Precisava ler aquele livro e o quanto antes.
Cinco e dez, cinco e vinte e nada. Cinco e meia o porteiro falou para eu desistir. Falou que o cara costumava entregar os livros bem mais tarde. Eu esperei, sentia os velhos chegando, um no guidão e outro no baú. Além do que eu conheço a lei de Murph, se eu saísse dali ele chegaria no minuto seguinte. Fiquei. Cinco e trinta e cinco a motoca amarela apontou na esquina da Ministro Godói. Era o velhinho com o meu livro. Peguei o livro e agradeci o cara. Ele disse que tinha corrido para entregar meu livro primeiro porque lembrou da minha ansiedade pela manhã.
Ele correu pra recuperar o tempo que havia perdido para entregar meu livro e eu me apressado em rasgar a embalagem de papelão para senti-lo em minhas mãos. Sabia que podia contar com o velhinho.
Como se não bastasse esse golpe de sorte, ao entrar no metrô para ir pra aula de ética na faculdade coloquei as músicas que havia baixado para tocar e pasme. Funk do bom, pura emoção no sopro e no piano de leve. Agora não preciso de mais nada.
Tenho o que ler, o que ouvir, escrevi esse conto no caminho e aprendi que a vida pode ser linda às 18:25 na cidade de São Paulo. Mesmo dentro do metrô lotado.
Valeu velhinho.

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