A entrevista

A entrevista.

 

 

Pedi para sair mais cedo naquela manhã, fazia sol e a rua estava apinhada de pessoas indo almoçar, almoço é mais que um direito uma necessidade e quando se coloca dessa maneira: “você tem direito de almoçar durante uma hora” parece até benefício.

Subi pela João Arruda até a Cardoso de Almeida indo para o ponto de ônibus, já passava das 12:30 e a entrevista seria às 13:30, precisava andar depressa.

Passando ao lado de um prédio vi sair uma moça com traços nordestinos e um belo par de pernas, ela levava um cachorrinho para passear, era empregada doméstica, já a havia visto no ponto de ônibus, as madames da zona-oeste não podem levar seus próprios cachorros para passear, elas estão ocupadas demais dando para os seus instrutores pessoais de musculação, dá até para imaginar a conversa:

-Oi, pode vir hoje me ajudar a ficar com o bum bum arrebitado?

-Posso, mas e a empregada?

-Não esquenta a cabeça que eu mando ela passear com o cachorro…

Por um lado é triste, mas o marido dela provavelmente também tá la no trampo comendo a secretária!

Cheguei no ponto e o ônibus já estava encostando, sempre dei sorte com ônibus. Peguei o Butantã USP e nesse horário tem muita gente indo para a cidade universitária, pude ver os seus narizes empinados e suas calças de 300 paus.

Cheguei na rua anotada no bilhete que eu trazia no bolso e saltei do coletivo, virei a esquina e fui até o edifício Martinelli, deve ser o nome de algum figurão por aí, as pessoas vão para a guerra, matam um montão de gente e ainda ganham um prédio com seu nome. Subi.

 

No elevador tinha um senhor com cara de poucos amigos e um terno meio desajustado, parecia o Danny DeVitto, eu apertei o 23, ele o 24. No 12° subiram três moças de meia idade e com aquelas roupas de ir trabalhar, uma delas se dirigiu ao Danny:

-Nossa, que cara de bravo, cuidado que isso pode dar rugas viu?

-É, respondeu o velho, vocês não vendem e me fazem ficar assim!

Essa vida de bater meta é complicada, tudo precisa ser vendido, Tudo mesmo! Logo logo vão ligar nas casas oferecendo prótese peniana para as pessoas: “olá, o senhor não gostaria de experimentar uma prótese? Caso o senhor não aprove, devolvemos o dinheiro!”

Cheguei no andar estipulado e apertei a campainha do escritório, uma moça bem apessoada veio me atender, ela vestia uma saia marrom e um sapato desses com pontas que lembram os do Aladin, a camisa era branca e o soutien dava um upgrade nos seios dela, moça de bom gosto!

Fui o primeiro a chegar para a entrevista e acho que isso é um ponto positivo, não é? Aos poucos as pessoas foram chegando e logo a mesa estava repleta de jovens procurando um estágio para ganhar míseros 480 por mês. Na ponta a moça com sapato do Aladin passou uma papel para o candidato imediatamente ao lado dela, o papel continha perguntas que deveriam ser respondidas em alta voz para todos e após isso a pessoa deveria passar o papel para o candidato ao lado, aprendi que nunca é uma boa idéia sentar na ponta da mesa, não se tem tempo para pensar nas respostas.

As perguntas eram do tipo “Duas vontades que você possui”, “Duas coisas que você gostaria de mudar em você” e essa baboseira toda. Nessa hora a gente precisa ser meio ator porque se você fala a verdade está eliminado, eu, por exemplo queria responder à pergunta sobre o que gostaria para o meu futuro da seguinte forma:

-Gostaria de ganhar dinheiro sem precisar trabalhar e passar por uma entrevista como esta.

Mas tive que manter a linha.

Um dos candidatos tentou se destacar e responder as perguntas numa ordem diferente da estipulada no papel, uma estratégia arriscada para um enxadrista, daí acabou respondendo três vezes a mesma pergunta, perdeu a rainha. Deu pra sacar só pelo olhar que o Aladin lançou pra ele. Ela tinha aquele olhar das pessoas que se sentem poderosas sabe? Tipo o Batman ou o Hitler. No fundo acho que tudo se resume a isso, poder, poder de foder com os outros.

Mais que amor, as pessoas querem é ter êxito, é ser realizadas e quase sempre a realização se dá por meios financeiros. Naquela mesa, ninguém, nem mesmo eu, tinha outra idéia em mente que não fosse ganhar dinheiro na empresa. É claro que falávamos como se quiséssemos aprender, obter experiência e tal, mas a real é que tava todo mundo ali pelo dinheiro, pelo sucesso.

Duas horas se passaram e a tortura terminou, o Batman disse que ligaria para três das 10 pessoas ali e as chamaria para uma entrevista individual. Tudo isso pra ganhar 480. Que merda!

Na segunda feira estava na minha mesa trabalhando quando meu celular tocou, o número era estranho e eu achei melhor sair da sala para atender, não é legal que sua chefe saiba que você quer mudar de emprego, se bem que às vezes é!

Acertei em cheio, era o Batman no telefone, me chamando para mais uma entrevista na bat-caverna.

Quer saber? Respondi que não ia porque o salário era muito pequeno e que achava desnecessário tanta entrevista e testes para ser um mero estagiário, ela engoliu seco, se despediu e desligou, queria ter visto a cara dela naquela hora!

 

No fundo, todos querem poder e eu………..bom, eu tive meus dez segundos de super-herói, derrotei o Batman.

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4 comentários sobre “A entrevista

  1. Discordo do colega que criticou seu auter-ego. É estilo. Está legal.
    Claro q sempre podemos aprimorar nossa arte, nosso estilo, mas não mude sua linha.
    Você escreve parecido com um amigo meu… Confesso que pensei, por um momento, q vc fosse um pseudônimo dele, porém ele não saberia escrever tão bem sobre São Paulo….rsrsrs
    Parabéns e obrigada pelo comentário na poesia “Para um amigo”.

    Obs.: no meu julgamento vc é um “cronista” e não um “contista”. 🙂

  2. Jorge, obrigada pelo elogio. Eu já tinha gostado do teu blog antes. Gostei do conto – só acho que não teria essa coragem! Ainda estamos muito presos às amarras…enfim, te espero lá dia 3. vou mandar o e-mail com as coordenadas em breve. 🙂 beijos!

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